"Não há grandes poetas nem grandes poemas; há palavras que nos agarram no momento certo. só isso."

Gil T. Sousa


domingo, 25 de janeiro de 2009

Serei(a) unicamente do mar

Mar que afoga nas suas ondas, recolhe num abraço e leva ao colo como de criança.

Cumplicidade de maresia, identidade como respiração de brisa marinha e a agitação das ondas enrola cabelos em algas mais profundas. Resgata devagarinho suave mar, beija ligeiramente as curvas do corpo. Deixa-me ser totalmente tua, deixa-me pertencer a esse teu mundo salino. Recupera as mágoas e transforma-as em felicidades, canta aquele canto molhado e lindo, num vai e vem (des)conhecido.

sábado, 24 de janeiro de 2009

« Livre e verde a água ondula, Graça que não modula, O sonho de ninguém »

"(...)criarei um dia puro livre como o vento e repetido como o florir das ondas ordenadas."
O ar está quente a areia está a suar. Estamos descalços e a roupa é suave. O meu vestido cheio de cores solta-se no meu corpo e danço. As ondas quebram sem pedir licença e o jambé toca. Os olhares são de relance e despercebidos. Todos dançam sem pensar no amanhã, o segredo é deixar ser levado pela música. O som entra e não se pode deixar que ele desapareça, deixa-se que o corpo contorne as notas de música e refresca-se com um mergulho profundo. A mente é revigorada. O corpo perfeito que deambula como se tratasse de ramos de arvores verdes ao sabor do vento. Com esta delicadeza, a sublime faculdade de percorrer as notas musicas que nos leva a imaginar pedaços de vida irreais. O inacabamento do colar de missangas completa-se com o ritmo de timbais e do por de sol. Pessoas improvisam as notas e o som flui. Ao fim de algum tempo entende-se que não se conhecem. É mesmo assim, basta teres um jambé e entras no nosso mundo. Sentimento êxtase, completamente absorvidos. Vagueando ao sabor das brisas.

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Caminho das almas

Era uma estrada onde o seu fim era inalcançável. Almas amarguradas caminhavam sem nenhum destino planeado. Cabeças rebaixadas num corpo desprotegido caminhavam sem saber qual a sua direcção. O caminho era estreito para tantas almas despedaçadas.
Era um prédio com uma universalidade de janelas inimaginável, cada uma com uma vida para ser descoberta. A noite aproximava-se e era fundamental que alguém acendesse a luz de cada uma. As almas necessitavam muito mais que um brilho vindo da luminosidade, era a hora de acordarem e rejuvenescerem.
Era uma menina que atravessava todos os dias a rua da vida com o almoço guardado. Ninguém sabia o que ela guardava dentro de si. Usando o mesmo vestido de à dias, ela escondia as feridas com linho e seda. As conversas divagavam, mas ela nada perguntava. Era difícil perceber a dor por de trás de uma mascara. Aguentar uma tempestade secreta.
À chuva e ao vento ela permaneceu, tornando-se forte como uma pedra, num mundo onde já não consegue revigorar. Os seus sonhos deram lhe assas para alcançar um lugar onde seria amada.
Menina de cabeça rebaixada, corpo desprotegido, alma despedaçada, coração partido que o mundo esqueceu...
volta.

domingo, 11 de janeiro de 2009

Os estados do silêncio

Eu vi quando ela escreveu o nome dele e o seu número de telefone no mês de Janeiro, na sua agenda. Chamaram ao momento, despedida. Mas todo o mês de Janeiro o seu silêncio falava nele.
Foi no mês de Fevereiro que ela se arrastou na despedida, como caranguejo na maré vazia. Construiu caminhos, pontes e navios. Nada disto ele viu, nada disto lhe contou, nada disto era dele. Reconstruiu o banco de cal que tinha no seu jardim para contemplar o céu numa noitada onde a lua pousaria á noite. Que erro cometeu, todas essas noites recordava em silêncio aquele fim de tarde. Estavam os dois deitados na cama nus e tinham acabado de fazer amor. Um silêncio instalava-se, tão familiar, tão intimo, tão intenso, mais intenso do que tudo o resto. O silêncio de hoje era diferente, cinzento, aéreo, triste e desesperado. O silêncio colora-se de todas as infinitas tonalidades das nossas vidas.
No Outono, do ano passado, quando os pores de sol eram mais bonitos ela ia falar mesmo quando o sol ia atravessar a linha do horizonte. Com delicadeza ele colocou o indicador na boca. Que gesto bonito, o indicador sobe os lábios, usado desde a mais tenra idade.
E arrancou a página da sua agenda onde tinha o nome dele e o seu número. Veio a seguir Março e com ele apareceu a primavera. Viu os passarinhos saírem dos seus ninhos, reconstruiu melodias e viu aparecer as primeiras flores. Contemplou os dias ficarem mais longos e o sol mais radiante. E nada disto, jurou, ser dele.

“E foi assim que descobri que todas as coisas continuam para sempre, como um rio que corre ininterruptamente para o mar, por mais que façam para o deter.”

sábado, 10 de janeiro de 2009

Onda curiosa

É no mar alto que nascem as ondas, lá muito longe das praias. Um leve toque de vento e logo erguem cabeças curiosas. Mas é em terra que brincam, é em terra que aprendem a saltar pelos rochedos e a escorregar pelos areias.
Certa vez nasceu uma onda mais atrevida. Saltava mais alto, corria mais longe, trepava aos rochedos escarpados e era sempre a última a voltar para o mar.
Um dia, ajudada pelo vento a onda curiosa subiu mais, muito mais do que o costume e ficou por instantes suspensa no ar, pasmada com tudo o que via. Lá adiante, onde o areal se espraiava, havia crianças que brincavam num mar sereno como não se lembrava de alguma vez ter notado.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

«Mendigo dos meus olhos, porque tens medos, revela-me os teus segredos e não escondas essa face de mistério...»

Costumava-o encontrar na rua do costume, quando os ponteiros do meu relógio se juntavam e era essa a hora que dividia o dia entre manhã e tarde. Eu ficava a vê-lo vaguear pela rua, observava o supermercado e ao mesmo tempo o caixote do lixo. Chamavam-no morador de rua, mendigo e até sem abrigo. Eu gostava de o tratar por cidadão. Olhavam-no como se fosse um corpo estranho no caminho. E com todos aqueles olhares intimidadores da sociedade até eu ficava amedrontada, que vontade tinha de expressar a minha opinião. Um cidadão como os outros, com os seus direitos, direito de utilizar os espaços públicos, de deambular nas ruas, de se sentar nos parques, de abordar e falar aos passeantes, ou de se sentar tranquilamente num estabelecimento para tomar um café.
Ficava a vê-lo desaparecer rua abaixo, a desejar que existisse alguma alma, em alguma parte do mundo, capaz de o consolar.
Senti o meu corpo necessitar de alimento e não hesitei em entrar no supermercado. Toneladas de alimento estavam ao meu dispor e outras mais dentro do armazém à espera de um lugar na prateleira. Com tanta comida à nossa volta parece mesmo impossível que exista pessoas a morrer à fome, mas esquecemo-nos que para entrar naquele supermercado necessitamos de uma senha a que chamamos dinheiro.
A fome passou-me e reparei que não se tratava de fome mas uma vontade de comer. Sentei-me num banco do jardim e reparei no hospital que estava bem ao longe. Perguntei-me a mim mesma o que me aconteceria se partisse uma perna. Alguém iria chamar uma ambulância, que me transportaria até ao hospital onde seria tratada por um médico que estudou toda a sua vida para tratar corpos partidos. Seriam simpáticos comigo e se tivesse que ficar internada seria visitada pela minha família. Agora, porque é que as pessoas com problemas cerebrais vão ser tratadas de maneira diferente. As causas dos sem abrigo são disfunções cerebrais. Quer se trate de um caso de maníaco depressão, esquizofrenia, alcoolismo, comportamento anti-social, falta de gestão financeira, o problema está dentro do cérebro da pessoa. Ajudar a recuperar este mau funcionamento do cérebro levaria a uma diminuição de ‘moradores de rua’.
Mas não fazemos isso. Quando vemos um ‘mendigo’ o que acabamos por fazer? Lançar olhares intimidadores?


Perdi-lhe o rasto no dia que esta calçada deixou de me pregar partidas.
"Renasces nos becos, nas ruas
Alimentas-te da solidão e da esperança
Teus sonhos são escassos
Tua vida é inútil, aos olhos dos que não te entendem
Tua imagem reflecte-se
Nos rios da cidade
Nas sombras das esquinas e
Nos bancos solitários"

sábado, 3 de janeiro de 2009

«She walked by the ocean, And waited for a star, To carry her away...»

Quando chegamos a casa e sentimos que perdemos um ombro amigo, a vida passa a ser feita em noite, mesmo para quem tem medo do escuro. Dias a caminhar descalça por chãos alcatifados de estrelas desapareceu. Aquele sol que brilhava no azul imaginário desapareceu, e ninguém me conseguiu mostrar a magia de um dia chuvoso. Comigo tenho sempre o arco-íris ao pescoço, destoa no meio de tanta escuridão, contudo eu ainda acredito que me poderá aquecer. E, quando o ombro amigo desaparece, a única maneira de acreditar nos dias é abrir a minha caixa de recordações. Uma pilha de cartas, que guardo desde sempre, existe uma no meio de tantas, especial. Sempre que a releio, recordo-me como se fosse hoje a chegar ás minhas mãos, entre desejos, sonhos e idealizações. É uma recordação tocável do meu amor imaginário. Como é estranho, sempre que a releio, parece que ele está aqui tão perto, a dizer-me aquelas palavras, a fazer-me aquelas perguntas, a desejar tanto aquele abraço.
Mas em dias como este em que não temos o ombro amigo e que parece que o sol não despertou para nos dar um dia feliz, apetece-me ter uma voz doce a dizer baixinho ao meu ouvido:
Shhhh… não tenhas medo do escuro. No escuro também estão as tuas fadas, as tuas magias, só que como em todo o lado as luzes também se apagam e todos precisamos de descansar. (Eu sei que tu não sabes, mas as fadas, as magias e mesmo os teus sonhos, também precisam de dormir). Fecha os olhos e descansa. Relembra o sorriso dos teus amigos. Aprecia o amor tão forte que quase se toca. Sente-o a fazer-te festinhas nos dedos dos teus pés, enquanto adormeces.
Deita fora o coração machucado e pinta um novo, ainda mais bonito. E acredita mesmo que amanha acordes sem ter os lábios dele nos teus, a mão dele na tua, vais ter uma noite feliz.
"Rosie, como with me. Close your eyes... and dream."

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

Essência

O mundo sucumbiu. Mas não penses que eu vou ficar desorientada. Eu sei bem andar em cima dos entulhos. Como eu sei curar as feridas que ardem. Por vezes parece que o tempo não chega, para quem quer descobrir a essência das coisas. É raro, alguém sentir que o tempo corre depressa quando esta num centro de pesquisas. As pessoas estão habituadas a ficar pela superficialidade da matéria. Não estou disposta a sentir que não pesquisei o essencial para apresentar as minhas teses com argumentos válidos. Tenciono conseguir sustentar os meus pontos de vista, apesar de muitas pessoas confundirem argumentar com discutir, não se trata disso, são palavras completamente antónimas. Quantas pessoas já me mandaram calar, a dizer que era inútil e desagradável, talvez por não entenderem que argumentar não é discutir. Discutir podemos dizer que se trata de uma discussão verbal enquanto argumentar é oferecer dados favoráveis a uma questão.

Deixa-me argumentar.